sábado, 28 de janeiro de 2012

José Rodrigues Miguéis - Conto "Inédito"

"Comércio com o Inimigo"


Coisas boas em Jornais

José Rodrigues Miguéis em 1958.


"A vida não é um privilégio pessoal: é alguma coisa que nos ultrapassa como indivíduos; que pertence à natureza, à história e à sociedade. É dos homens como "todo", no tempo e no espaço, que se faz a verdadeira eternidade. E é só entre eles, na sociedade, na consciência e na acção, que somos e nos sentimos reais ...
José Rodrigues Miguéis


Conto inédito (na altura) de José Rodrigues Miguéis, publicado
no Diário de Lisboa em 24-06-1971. Clique para ler.


Citação:

“Com grande espanto, vejo logo à cabeça da lista esta coisa inesperada: 
Sopa de nabos com feijão branco à portuguesa.
Nabos! Em Boitsfort! E feijão branco à portuguesa! Dei um pulo que fez sorrir a criadinha roliça, loira e flamenga a olho nu, que desenvoltamente se viera postar a meu lado.Como a todos os portugueses, sempre me alvoroçou encontrar lá fora, fosse onde fosse, um reflexo da nossa influência civilizadora. Não há português digno do nome que, passando por Paris, não vá abrir a boca de admiração a uma esquina da Rue de Lisbonne ou do Boulevard Pereyre; que não sinta espicaçá-lo uma ponta de orgulho ao ver, em Bucareste ou Nova Iorque, a tabuleta dum mercador chamado Portugal ou Portugalov, ou achar a cada passo, por esses restaurantes, as clássicas ‘ostras portuguesas’ ou a sopa de tomate a que chamam portugaise, talvez em homenagem à nossa nunca desmentida tesura. Uma cidade chamada Lisbon, no Ohio ou no Maine (ainda há outras), ou mesmo Angola (Indiana ou Nova Iorque), enche-nos o peito de ufania. Uma simples refeição ao madère num romance de Dumas, ou ao porto numa novela russa; a menção duma personagem cosmopolita de apelido Faria ou Paiva, bastam para nos compensar de infindos amargos de boca patrióticos. Vaidades perdoáveis em quem, como Pedro Sem, já teve e agora não tem. (…) Quando a pequena me serviu a sopa, a fumegar numa funda e portuguesíssima tigela de barro vidrado de Estremoz, o meu assombro cresceu: era a legítima, a insofismável sopinha familiar de feijão branco! Ataquei-a com todo o fervor da minha gastronostalgia, e esqueci por completo o ensaio de bordoada que me preparava para aplicar à nossa culinária.”
(José Rodrigues Miguéis, Uma Aventura Inquietante, 9.ª ed.: 12-14).
(In, www.ilcml.com)


Desenho de José Rodrigues Miguéis, o dos óculos, efetuado 
em 1936, ano em que ocorreu a história aqui representada:


- Migués encontrava-se em Nova Iorque há seis meses. Foi procurado pelo funcionário dos Serviços de Imigração, o obeso, que, não obstante conhecê-lo, perguntou-lhe:
– Por acaso sabe se é aqui que trabalha o Miguéis?
- Miguéis não está! – respondeu-lhe o próprio.
- Eu volto daqui a pouco – disse o funcionário saindo do escritório.
Miguéis aproveitou e saiu pela janela. Permaneceu na América até morrer.

(Texto e desenho em lusografias.wordpress.com)


José Rodrigues Miguéis


José Claudino Rodrigues Miguéis nasceu a 9 de Dezembro de 1901 em Alfama, bairro típico de Lisboa, e veio a falecer em Nova Iorque a 27 de Outubro de 1980. Passou a sua infância e juventude em Lisboa, recordações que marcarão a sua futura obra. Ainda em Lisboa viria a formar-se em Direito em 1924. Todavia, nunca exerceria de forma sistemática profissão nesta área, tendo consagrado a sua vida à Literatura e à Pedagogia. Neste último campo viria a licenciar-se em 1933 em Ciências Pedagógicas na Universidade de Bruxelas. Herdando do pai, um imigrante galego, as ideias republicanas e progressistas, cedo entrou em conflito com o Estado Novo, o que acabaria por o levar ao exílio para os Estados Unidos da América a partir de 1935. Desde essa altura até à sua morte apenas voltaria pontualmente a Portugal, não passando no seu país natal períodos superiores a dois anos. Em 1942 viria a adquirir a nacionalidade americana. A estada de Rodrigues Miguéis nos E.U.A. fez dele um importante agente cultural na divulgação da literatura e cultura americanas quer em Portugal quer no Brasil. Para lá do trabalho, durante quase uma década, como Assistant Editor das Selecções do Reader’s Digest, Miguéis traduziu grandes autores da literatura norte-americana, como Carson McCullers, Erskine Caldwell ou F. Scott Fitzgerald. O reconhecimento institucional – desde a atribuição da Medalha da Ordem Militar de Santiago de Espada (1979) aos Colóquios realizados em Portugal, graças, sobretudo, ao empenho de Onésimo T. de Almeida – ainda não se traduziu, porém, na merecida valorização pública e na redescoberta de um autor que em muito contribuiu para alargar os horizontes culturais dos portugueses no tempo do Estado Novo e para a revitalização da língua portuguesa. Em 1983, na sequência de um trabalho conjunto de Onésimo T. de Almeida, de George Monteiro e de Camilla Miguéis, para reunir os documentos dispersos do escritor, foram criados os "José Rodrigues Miguéis Archives" integrados em "Special Collections" da John Hay Library (Univ. Brown).
(Texto: vários a partir da net)


José Rodrigues Miguéis em 1975.


(Fotos do espólio de José Rodrigues Miguéis na Brown University Library, EUA)


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