quinta-feira, 19 de julho de 2012

Dersu Uzala no Funchal


A sala e o "Uzala" — duas surpresas no Funchal

Crónica de Carlos Pinhão no jornal Se7e em 18-07-1979


Coisas boas em jornais


Cine Casino; hoje é o auditório do Centro de Congressos do Casino da Madeira.
Foto sem data encontrada em www.casinodamadeira.com


Carlos Pinhão (1924-1993)
Duas razões para contar a história da minha ida ao cinema, no Funchal, num sábado recente.
Uma razão: a sala.
Outra razão: o filme.
A gente passa na rua e vê um grande cartaz onde se lê: «A Melhor Sala de Cinema do País».
A gente vê o cartaz, mas não vê o cinema, vê só o cartaz, até pode ser que não seja ali o cinema, talvez ali seja só o cartaz a anunciar o cinema algures.
Avanço para me esclarecer e encontro uma escada tipo Metropolitano de Lisboa, só que, em vez do «M», há um letreiro que tem uma seta para baixo e onde se lê: «Cinema-Bilheteiras».
Não há dúvida, é para baixo e desço cheio de curiosidade, a ver se me deixam entrar. Nem penso, nessa altura, em comprar um bilhete para assistir a uma sessão, pois estou mesmo a ver que o filme deve ser desses dos nossos cinemas da província, ou porno, ou kung-fu.
A minha ideia é só pedir que me deixem ver a tal sala melhor do País... Que história é essa?... Como se mede o melhor e o pior? A maior sala ainda se compreende, a maior lotação, contam-se os lugares, não é, mas a melhor?... A mais cómoda?... Eu, por exemplo, embirro com aquelas cadeiras muito fofas em que a gente se enterra até ao pescoço e que fazem mal á espinha, os meus bicos de papagaio exigem um assento duro.
O melhor é ver, mas cheira-me a provincianismo, isso da melhor sala deve ser uma manifestação de bairrismo tolo, género a Veneza Portuguesa, a Sevilha Portuguesa... Já estou no átrio que é pequeno, não tem nada de especial, a bilheteira também não, mas há aqui agora os cartazes que não havia lá em cima. O «Cinecasino» fica na cave do «Casino da Madeira», que é um edifício baixo. rodeado por hotéis muito altos.
Os cartazes. Uma surpresa.
Filmes de qualidade. «Face a face», de Ingmar Bergman. «O Céu pode esperar». Em exibição — surpresa maior — um filme soviético: «Dersu Uzala», a chamada obra-prima de Akira Kurosawa. Mudo logo de planos. Logo à noite, venho ver como é. Ver um filme soviético, aqui, tem qualquer coisa de fruto proibido. A noite, o porteiro do cinema confirmar-me-ia que, trabalhando no ramo há vinte anos, é a primeira vez que dá conta da passagem de um filme russo na Madeira.
Estreou-se na sexta-feira e talvez dure uma semana.
— Tem vindo muita gente? pergunto.
— O costume, nestas sessões. Entre cem a duzentas pessoas.
A sala tem lotação para meio milhar e raramente se enche. Encheu-se na  estreia e, há pouco, na festa do Max. Nem sequer é a maior sala da Madeira. Há quatro cinemas no Funchal e devem ser todos da mesma empresa, pois vejo no «Diário de Notícias» local os quatro anúncios iguais, lado a lado, ocupando todo o alto da página.
Digamos que há filmes para todos os gostos e guarda-se a qualidade para o «Cinecasino». Merece. É, de facto, uma bela sala de espectáculos. A gente entra e sente assim um choque agradável. Primeira sensação: a amplitude, o desafogo. Regra geral as salas lisboetas são acanhadas, aproveita-se o espaço ao milímetro. Aqui é tudo á larga, as filas espaçadas, as coxias amplas, há espaços por toda a parte. Porém, a nota mais especial é a inclinação da sala que apíoveita a própria configuração do terreno em que foi construída. Não há balcão, é só plateia (e só um preço, setenta escudos, sem lugares marcados), mas é uma plateia com a inclinação de um balcão, porque a encosta, assim a descer para o lado do mar, propiciou esse tipo de construção muito original e muito belo. As cadeiras (cómodas quanto baste) são forradas de amarelo, fornecendo assim um sugestivo contraste com a alcatifa escura e, na verdade, todo o conjunto é sugestivo, harmonioso, atraente. Não vamos garantir que seja a «Mais bela sala de cinema do País», mas é verdade que nunca víramos sala tão bonita, exceptuando aquela daquele cinema de Luanda, ao ar livre, tipo esplanada, uma delícia, mesmo que se não goste do filme, gosta-se do panorama (sem esquecer que Luanda já não é «do País»).
Neste caso, o filme foi também uma delícia, «Dersu Uzala», «A Àguia da Estepe», belo como um Júlio Verne, como dele disse «Le Nouvel Observateur» e dele nada mais diremos, até porque, por certo, já o «Se7e» se lhe referiu, quando da estreia em Lisboa. A piada estava, para nós, em ver um filme soviético (que não viramos em Lisboa) numa terra onde os cartazes anunciadores do IX Congresso do PCP são arrancados da parede ainda frescos da cola. Por acaso, aqui estou eu na sala, ao intervalo (algo longo, sempre longo para quem não fuma) a ler o «Jornal da Madeira» que levei no bolso e que dedica quase uma página á Conferência de Imprensa dada, no Funchal, por Pinheiro de Azevedo, afirmando este que, se tivesse sido eleito em 1976, «teria expulso do País personalidades non gratas, tais como Àlvaro Cunhal e outras (...) perigosas (...) todas elas comunistas».
O mesmo jornal revela que se trata de uma viagem de angariação de fundos para a campanha eleitoral daquele candidato, seguindo-se uma viagem á Venezuela, onde a colónia madeirense é muito importante.
O filme foi muito bem acolhido pela assistência e, na manhã seguinte, há um grande paquete soviético acostado no porto do Funchal e aparecem colados novos cartazes, mas não é de crer que Dersu Uzala tenha alguma coisa a ver com isso.

Crónica de Carlos Pinhão no jornal Se7e 18-07-1979



Casino da Madeira

desenhado por Oscar Niemeyer e Viana de Lima

Casino da Madeira no Funchal. 
Foto encontrada em www.waymarking.com. 

«Eu mostro tudo o que levo sobre o Casino Park e ele sublinha logo “a colaboração fundamental do meu colega Viana de Lima [grande arquiteto português, discípulo de Corbusier, que Niemeyer convidou para a concretização do projeto]. A minha atuação se limitou ao anteprojeto na escala de 1:500, que o resto, o desenho definitivo, os detalhes, tudo isso foi elaborado por aquele arquiteto. Depois, eu muito ocupado em Paris com as tarefas em realização. E ele a correr com os detalhes, sem tempo para me consultar… Ele foi muito correto”.» (…) O cine-teatro, por seu lado, a explorar o subsolo,resolvia-se, na idéia niemeyeriana, numa cúpula trapezoidal, em concha, como tantas “irmãs” já vivas - a tribuna do quartel-general do Exército, em Brasília (1968), o clube libanês de Belo Horizonte (1950), o monumento a Rui Barbosa (1949) - ou por nascer - na universidade de Constantine, na Argélia (1969/72), no Memorial da América Latina, em São Paulo (1986/88), ou no centro de convenções da Barra da Tijuca (1997). Infelizmente, pela necessidade de fazer a caixa do palco, a cúpula deu lugar a uma estrutura trapezoidal angular, que não perde, contudo, a beleza compósita. Cada um dos edifícios induz a um jogo de desníveis cuidadosamente distribuídos. Mais ainda do que as unidades singulares, é o “teatro móvel”, as distâncias e a diversidade de planos, as transições de formas, o diálogo circulante em que elas se inserem, é isso que também surpreende imenso na monumentalidade estética deste projeto. O cine-teatro inicia-se como arco triunfal para o casino e do primeiro andar deste, o andar do salão de jogos, nasce uma rampa ascendente, com uma espiral a meio, forma que Niemeyer aqui usa pela primeira vez e que retomará no Centro Cultural de Le Havre (1972/83) e no Museu de Arte Moderna de Niterói (1994)

Texto de Carlos Oliveira Santos encontrado em www.arcoweb.com.br Ler todo o texto aqui


Desenhos de Oscar Niemeyer para o projecto do Casino da Madeira. 
Encontrados em www.arcoweb.com.br.


Cartaz do filme que Carlos Pinhão viu no Funchal.


Foto de Carlos Pinhão encontrada em futpt.blogspot.pt
Cartaz do filme Dersu Uzala encontrada em jfilmpowwow.blogspot.pt





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