segunda-feira, 30 de julho de 2012

Santos Manuel - Eu não queria ser Actor


Santos Manuel e Mário Viegas em 1993, na peça "Enquanto se está à espera de Godot" de Samuel Beckett, com encenação de Mário Viegas na Companhia Teatral do Chiado.
Foto encontrada em lauroantonioapresenta.blogspot.pt



Estava ontem a terminar um post e já a pensar noutro, e lembrei-me do Santos Manuel e de um episódio que revela bem o distraído que era fora dos palcos, e fiquei pensando se escreveria aqui o que se passou. E, hoje compro o jornal e dou com a noticia da sua morte. Embora não privasse com o Santos Manuel, achava que era uma pessoa tímida e discreta (como eu aprecio), e de quem eu gostava muito e sinto bastante a sua morte, mas fica a memória dos tempos que trabalhámos juntos. Deixo mais abaixo um texto do Santos Manuel, coisa rara.
A historia com o Santos Manuel, foi a seguinte: eu namorava já há uns meses com uma actriz, quando o Santos Manuel virou-se para o Mário Viegas e diz-lhe; «Tenho a impressão que qualquer dia vamos ter um caso do Chico com a “Maria”. E responde o Mário; «Ó Santos, então tu não sabes que eles já vivem juntos.», e ele; «Não tinha dado por nada».



DEPOIMENTO DO ACTOR SANTOS MANUEL, ESCRITO PARA O ESPECTÁCULO, “O ENSAIO DE UM SONHO”, BASEADO EM TEXTOS DE INGMAR BERGMAN E AUGUST STRINDBERG EM MARÇO DE 1994.


Em 1961 entrei para a Casa da Comédia. Lá encontrei o Dr. Fernando Amado, o meu querido, primeiro e saudoso Mestre. Lá encontrei Manuela de Freitas, Maria do Céu Guerra, Fernanda Lapa, Zita Duarte, Glória de Matos, Norberto Barroca e tantos outros. Lá estava o Palco, a Luz, os Actores, a Música, o Silêncio, a Magia, o Cenário, os Adereços, o "Sonho", e o meu "Sonho" de ser Cenógrafo. Eu não queria ser Actor.

"Deseja-se Mulher" de Almada Negreiros, tinha marcado um encontro com o meu destino e assim me estreei como Actor. Estive ligado à Casa da Comédia até 1965. No mesmo ano fui para o Teatro Experimental de Cascais, como Actor. No T.E.C. fui ficando, fui trabalhando, fui criticado, fui louvado, fui premiado, “e eu não queria ser Actor”.

Fui curioso demais e aceitei a experiência como uma forma de realização pessoal, até chegar às margens da angústia. Continuo insatisfeito. Nunca me consegui libertar do receio de o meu trabalho ser julgado pelos Outros.

Sei que sou frágil e não suporto agressões. Vou flutuando na corrente da vida como um aventureiro receoso, mas determinado.

Às vezes sou derrotado, outras vezes ferido, mas vou aprendendo. As minhas experiências ainda não foram fatais.

Vou prosseguindo com os meus humildes esforços de criação, eles defendem-se em grande medida daquilo que eu ainda não sei e daquilo que eu ainda não fiz.

Aprendi a respirar o pó dos Palcos com Fernando Amado, Carlos Avilez, Artur Ramos, Hélder Costa. Neste momento como Encenador e amigo tenho Mário Viegas. Já vencemos uma batalha. “Enquanto Se Está à Espera de Godot”. Com certeza que ainda vamos vencer outras.

Trabalhar com Manuela de Freitas em “O Ensaio de um Sonho”, é um grande prazer. Será que ela é um Mal Necessário para o meu aperfeiçoamento e auto-correcção? O tempo o dirá. Se eu puder penetrar no seu Universo Interior já me poderei sentir recompensado. Ela é a Actriz.
Talvez um dia eu queira e deseje ser Actor.

As minhas experiências não estão cristalizadas.

A Vida, o que tem de melhor, é o “Sonho” que se altera constantemente.

Esta é a verdadeira Liberdade.


Texto transcrito do programa da peça "O Ensaio de um Sonho", 1994.


Manuela de Freitas e Santos Manuel em "O Ensaio de um Sonho", encenação de Mário Viegas. 
Foto copiada do programa da peça "O Ensaio de um Sonho".

Mario Viegas e Santos Manuel em "A Grande Magia", 1994. 
Foto copiada de jornal.
Mario Viegas e Santos Manuel em "A Grande Magia", 1994.


1 comentário:

  1. Acabo de descobrir este arquivo genial, que me fala de coisas de que ouvia falar há mais de 50 anos, como o Bairro das Minhocas e o Bairro da Quinta da Calçada, perto do Bairro Santos, onde fui criado e onde havia o cinema Bélgica. Que me fala da belíssima Manuela de Freitas, do Mário Viegas e do Santos Manuel. Parabéns!

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